Páginas

sábado, 2 de abril de 2011

Pardal

Pardal
Cedo aproveitava a fresca da manhã e punha-se no telhado. Manso e preguiçoso lambia monotonamente seus pelos. Vez em quando bocejava sôfrego vergando sua espinha dorsal.
Como era de costume d. Ângela preparava-lhe a sua tigelinha de leite; este chegava lesto, esfregando-se, ronronando, perfazendo um oito por entre as pernas de sua amável dona como a agradecer felinamente a quem lhe tratava tão bem. Colocava-se então a lamber nobremente o leite com aquela cara de nojo que não é de nojo, típica de sua espécie.
Pardal era tão acinzentado quanto um céu carregado; céu de chuva por cair. Tinha uns olhos azuis à galã perturbador de corações de donzelinhas.
Ele saía durante o resto do dia voltando tão logo o sol começava a declinar.
Mas foi num domingo gordo e fatídico que Pardal ao voltar para casa não achou mais sua dona, ao invés, um grupo de gente estranha. Alguns maldizendo a finada, outros com ar de mofa, sibilando, a fazer inveja às cobras, dizeres de mau gosto.
Ah! Se nosso animal não fosse tal! Com certeza ele ouviria alguns poucos parentes de d. Ângela discutindo, inventariando, os poucos que a velha viúva e sem filhos deixara. Subiam e desciam; abriam portas, guarda-roupas. Caçando, farejando qualquer objeto de valor... Quais saqueadores de caminhão, que mesmo estando o motorista esvaindo-se, clamando por socorro, a expirar ou mesmo morto, arrasta toda a carga, repartindo, escondendo, tudo o que fosse de valor.
¬¬¬_ A velha deveria possuir algum cofre! _ disse um. Assim todos começaram a procurar. Reviravam o que podiam. Não havia canto sem ser inspecionado, bule sem ser levantado, quadro sem ser tirado do lugar.
Na sala, pois, atrás de um quadro que trazia a foto de d. Ângela com seu Pardal ao colo, acharam um cofre. Não estava trancado; acharam nele algumas poucas economias, que tão logo fora avaliada e devidamente repartida.
Pardal observava atento como a mirar um passarinho, escondido e inerte, somente vibrando sua calda que parecia epilética. Deu a volta por trás da casa, entrando pela janela da cozinha. Cheirou sua tigela vazia, ronronou um ronronar diferente, mais pausado. Quando de súbito entrou uma senhora, esposa de um parente de d. Ângela. O animal ouriçou-se, vergando-se qual um arco-íris, mas um arco-íris cinza. Seus dentes à mostra impunham autoridade e medo.
_ Ah! _ grita a mulher. Apavorada, chama seu marido. Este vem rápido:
_ O que foi?
_ Um gato raivoso...
O homem responde contrariado:
_ Tanto escândalo por um gato! Cadê a fera? _ diz sarcasticamente...
_ Entrou no armário!
O homem procura algo para assustar o animal. Olha para os lados, vê a tigela de louça, com a inscrição “Pardal”. Abre lentamente a porta que se achava entreaberta. O gato de um salto pula na cara do invasor, arranhando-a. Este cai, esbarrando antes numa mesa. A tigela se espatifa no chão. O animal se safa pelo mesmo lugar que entrara; sobe no telhado, astuto e ao mesmo tempo sereno. Saíram já à noite. Silenciosos. Disfarçando algumas sacolas. Pardal miava um miado tenebroso. Olharam sobre o teto a figura do animal olhando-os. O animal soberano no telhado tinha uns olhos vermelhos pelo efeito do luar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário